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Transmissão de SARS-CoV-2 por inalação de aerossóis: como podemos diminuir risco de infecção?

Julian Gelman Constantin, Natalia Quici, Nahuel Montesinos (com tradução de Samara Carbone e Cybelli Barbosa)



Contribuições das ciências atmosféricas



Em menos de um ano desde o início de sua disseminação, o COVID-19 tem causado mudanças sem precedentes no dia a dia de uma parte significativa da população mundial. Mesmo que a vacinação já tenha iniciado em alguns paíeses, ainda há grande necessidade para ações adicionais que previnam mais infecções e mortes, isto até que um grau de imunização suficiente tenha sido alcançado em grupos de risco e na nossa sociedade em geral. São inúmeros os estudos realizados no ano que passou por diferentes áreas de pesquisa científica que mostram evidências fortes que relacionam a química e física da atmosfera com a transmissão do vírus SARS-CoV-2. Este artigo apresenta uma perspectiva de transmissão do vírus pela química ambiental e da atmosfera, juntamente com uma série de recomendações para previnir o contágio. O objetivo é promover a troca de conhecimentos com experts de outras áreas científicas, tais como medicina, virologia, epidemiologia e demais.

Esperamos que este artigo contribua para o entendimento de quais situações de exposição são mais arriscadas e deveriam ser evitadas para limitar a transmissão do SARS-CoV-2 em suas diferentes variantes (cepas), e outros vírus respiratórios de circulação frequente, por meio dos quais os impactos em saúde pública poderiam ser reduzidos seguindo algumas das recomendações deste artigo.


Como vírus respiratórios são transmitidos?

Atividades de respiração humana geram a emissão de gotículas. Estas gotículas podem apresentar distribuição de tamanhos muito distintas, de um micrômetro (1 µm = 0.001 mm) até centenas de micrômetros. O trato respiratório inferior (bronquíolos) gera partículas líquidas com diâmetros próximos a 1.6 µm, a laringe gera partículas de aproximadamente 2.5 µm, enquanto que o trato respiratório superior (incluindo a cavidade oral) gera partículas bem maiores, com a distribuição de tamanho centrada em 145 µm de diâmetro. É importante enfatizar que a emissão é maior para atividades como falar, gritar ou cantar (comparadas à respiração silenciosa). As partículas maiores (gotículas com diâmetro > 100 µm) alcançam o chão em alguns segundos (Tabela 1). No entanto, as partículas menores persistem no ar por mais tempo (de dezenas de segundos até horas), e são chamadas aerossois. Além disso, o tamanho das partículas emitidas é reduzida por meio da evaporação parcial de água (até 50%), o que aumenta o tempo e a proporção de partículas originalmente emitidas que persistem no ar e, portanto, a distância que elas conseguem percorrer antes de alcançarem o chão.


Tabela 1. Cálculos aproximados (Lei de Stokes) da persistência de aerossois no ar conforme seus diâmetros. A velocidade limite de queda alcançada pelos aerossois (na ausência de conrrentes de ar) e o tempo que eles percorrem antes de uma queda de 1.5 m foram estimados. Notem que o tamanho dos aerossois emitidos pode ser reduzido em função da evaporação e, portanto, eles podem levar um tempo maior para se depositarem nas superfícies.


Há pelo menos três rotas relevantes de transmissão do vírus que podem ser distinguidas:

- “Gota de spray”. Quando uma pessoa infectada tosse ou espirra (também por meio de outras atividades respiratórias, mas em menor quantidade) uma gota de spray pode ser facilmente notada: gotas maiores que 100 µm podem se mover como projéteis e cair/alcançar ao chão ou outras superfícies alguns metros após a sua emissão. A infecção por meio deste mecanismo requer que estas gotas impactem as membranas mucosas (olhos, boca, narinas) de uma pessoa, e por isso é um mecanismo relevante a curtas distâncias (normalmente, < 2 m).

- “Inalação de aerossois”, ou “suspensão no ar”. As gotículas pequenas (aerossois, menores que 100 µm) emitidas por tosse, espirro, ou mesmo pelo ato de cantar, falar, ou respirar podem ficar suspensas no ar por períodos maiores, e desta forma, percorrerem distâncias mais longas ou acumular no ambiente. Se uma pessoa inalar gotículas pequenas suficientes, ela poderá ficar infectada. O risco de inalação de aerossois é máximo para pequenas distâncias (< 2 m), no entanto, também há evidência de transmissão a distâncias maiores (> 5 m) caso a ventilação não seja apropriada.

- Contato com superfícies contaminadas ou por “fomites”. Pessoas infectadas podem contaminar superfícies por meio de gotículas respiratórias (e talvez por meio de outras rotas). Se uma pessoa suscetível toca estas superfícies e então toca alguma de suas membranas mucosas, ela pode ficar infectada também. Há evidências sobre este tipo de rota de transmissão, no entanto, sua relevância é considerada secundária.


É importante notar que as três rotas de transmissão provavelmente acontecem em ambos os casos, os de pessoas sintomáticas e assintomáticas, uma vez que o vírus também está presente em gotículas e aerossois emitidos por atividades respiratórias dos dois tipos de manifestações do COVID-19.

Recentemente, parte da comunidade científica tem enfatizado sobre a relevância da transmissão do vírus SARS-CoV-2 por aerossois e suas implicações em medidas preventivas para a doença do COVID-19. Os governos do Japão, Alemanha, Reino Unido, Espanha e Estados Unidos, entre outros, tem reconhecido a importância da transmissão por aerossois e salientado certas medidas de prevenção, principalmente com relação à ventilação de espaços internos e o uso universal de máscaras de proteção facial.


Eventos de superespalhamento: relevância dos aerossois

Os então chamados eventos de superespalhamento são caracterizados por um alto número de infecções a partir de um número inicial reduzido de casos (elevado valor de R0; https://vis.sciencemag.org/covid-clusters/). Em algumas regiões estima-se que 8% de pessoas infectadas poderia produzir até 60% de infecções secundárias. Portanto, o entendimento e a prevenção de eventos de superespalhamento são crucias para frear a epidemia de progredir em direção a um “novo normal”.

Quase todos os casos documentados (desde um ensaio de coral nos EUA, ou um casamento na Jordânia, uma central de chamadas na Corea do Sul, até um restaurante ou um ônibus que percorre distâncias médias na China) acontecem em ambientes fechados, em espaços com pouca ventilação, superlotados, e em alguns casos, com recirculação de ar. Há evidências de um grande número de infecções que não podem ser explicadas por contato próximo ou por superfícies contamindas, em alguns casos é demonstrada transmissão por meio de longas distâncias ou infecções por assintomáticos ou por individuos pre-sintomáticos. Estes fatos sugerem que a rota de contágio mais importante nestes eventos é a inalação de aerossois.


Gotículas e aerossois de vírus SARS-CoV-2

Há fortes evidências da presença de RNA de SARS-CoV-2 em amostras de ar. Em ambientes internos, o vírus pode ser detectado, em algumas ocasiões, até mesmo em distâncias maiores que os 2 m recomendados como medida preventiva. Ele pode ser encontrado do lado de fora de quartos de pacientes ou até mesmo em áreas externas próximas a hospitais. A presença do SARS-CoV-2 em aerossois submicrométricos com diâmetros de 1 e 4 µm, e também maiores do que 4 µm, tem sido demostrada em estudos, no entanto, ainda há pouca certeza com relação a variação da carga viral em diferentes tamanhos de aerossois. Além disso, também há evidências sobre a habilidade destes aerossois causarem infecção mesmo a distâncias de 4.8 m de uma pessoa infectada.

Já foi mostrado que em condições de escuridão, aeossois com SARS-CoV-2 mantêm sua capacidade de infecção por horas (redução pela metade em aproximadamente 1.1 – 1.2 horas), enquanto na presença de radiação solar o vírus é inativado de forma muito mais rápida (redução da metade em menos de 8 minutos). O efeito da temperatura e umidade é conhecido com menos certeza, no entanto parece que a viabilidade é reduzida com altas temperaturas e umidade intermediária (maior inativação em 65% de umidade quando comparado com 40 e 85%). Estes estudos mostram que o vírus pode sobreviver em ambientes fechados por períodos suficientemente longos, de forma que seu acúmulo em ambientes com pouca ventilação oferece um risco de infecção. Da mesma forma, este fato confirma que espaços abertos apresentam menos riscos (embora não sejam nulos), não apenas em virtude das melhores condições de ventilação, mas também devido ao efeito da radiação solar.


Implicações para medidas de prevenção

A relevância dos aerossois na transmissão da doença delineia de forma clara quais atividades apresentam mais riscos (Figura 1) e quais medidas de prevenção deveriam ser recomendadas. É importante notar que nenhuma destas medidas reduz completamente o risco, e portanto, é necessário que o maior número possível de medidas sejam implementadas de forma simultânea.

Figura 1. Riscos relativos das diferentes atividades referentes à transmissão do SARS-CoV-2 por inalação de aerossois. Assume-se em todos is casos, que é mantida uma distância de 2 m. Reproduzido de N. R. Jones, Z. U. Qureshi, R. J. Temple, J. P. J. Larwood, T. Greenhalgh, and L. Bourouiba, “Two meters or one: what is the evidence for physical distancing in covid-19?,” BMJ, vol. 370, p. 3223, Aug. 2020.


Máscaras faciais

O uso de máscaras faciais foi recomendado desde o início da pandemia para evitar a emissão de gotículas grandes contendo o vírus ao tossir ou espirrar, no entanto elas também podem ser muito efetivas em conter os aerossois produzidos pela fala, respiração, canto, etc. Para reduzir a emissão de aerossois, é essencial que as máscaras, sejam elas comerciais ou artenasais, sirvam de forma bem ajustada ao rosto, cobrindo assim a boca e nariz (https://youtu.be/mJ81IBTMvcU), e que a escolha do material seja feita de forma adequada (apropriada para filtrar as partículas menores, ver http://jv.colostate.edu/masktesting/). Embora a recomendação nos primeiros meses de pandemia indicava que o uso de máscaras de tecido fosse uma alternativa melhor do que o não uso, hoje, muitos especalistas concordam que é chegada a hora de partir para máscaras de melhor qualidade. Uma vez que a prioridade de uso de máscaras comerciais de elevada qualidade (N95, KF94, KN95s) é reservada aos trabalhadores das áreas de saúde e essenciais com alto risco de exposição, à população em geral que atua em atividades de risco é recomendado o uso de máscaras duplas (uma máscara cirúrgica coberta por outra de tecido para melhorar o seu ajuste ao rosto), ou um ajuste de máscara (https://making.engr.wisc.edu/mask-fitter/ or https://www.fixthemask.com) sobre uma máscara cirúrgica ou sobre uma máscara de duas ou três camadas de tecido.


Distanciamento físico

O distanciamento maior que 2 m é uma boa medida para prevenir o contágio por contato próximo, uma vez que a combinação do mesmo com o uso da máscara facial evita que recebamos as gotículas de spray e aerossois que são emitidas pela boca e nariz (https://youtu.be/MX8InIv0sXs). No entanto, esta distância pode ser insuficiente para evitar o espalhamento do vírus SARS-CoV-2 por aerossois em ambiente interno, já que estes podem acumular no ar caso não sejam eliminados de forma eficiente. Quando em ambientes fechados, várias medidas devem ser tomadas para reduzir a concentração de aerossois (reduzir a ocupação, uso de máscaras, melhoria da ventilação, etc.) e reduzir o tempo de exposição.


Ventilação

Como recomendação geral, espaços internos devem ser ventilados o máximo possível, para incorporar ar externo, virtualmente livre de aerossois respiratórios. Além disso, as correntes de ar devem ser direcionadas (quando possível) de forma a remover as emissões de uma pessoa ou grupo de pessoas para fora do ambiente. Neste sentido, é aconselhável recircular o ar (da mesma forma como é feito por meio do uso de equipamentos de ar condicionados em casas e escritórios), já que permite a homogenização da composição do ar interno contendo carga viral por todo o ambiente interno. A implementação de barreiras de vidro (útil para evitar o contato com gotículas maiores) deve ser estudada de forma cuidadosa, uma vez que podem interferir na ventilação do ambiente. Uma opção recomendada por especialistas de qualidade do ar de ambientes internos é medir a concentração de CO2 para avaliar se a ventilação é ou não suficiente (https://www.aireamos.org/).


Filtração

Para ambientes fechados ocupados em casos quando a ventilação não é uma opção, a filtração do ar pode ser um paliativo conveniente. Há filtro comerciais (purificadores de ar) capazes de reter as gotículas micrométricas e submicrométricas que atuam como vetores para o vírus. É importante lembrar que em circunstâncias onde os filtros HEPA (com elevada eficiência, mas também com elevado custo) não podem ser usados, filtros com baixa capacidade de retenção (MERV-13, MERV-11) podem também reduzir o risco de contágio, sempre combinados com outras medidas de prevenção. Para a filtração, em sistemas de ventilação central, é necessário assegurar um bom ajuste do filtro ao suporte, manutenção apropriada, e garantir que um filtro de alta qualidade não reduza a ventilação de forma significativa. No caso de filtros portáteis, é necessário verificar que os mesmos apresentem um fluxo suficiente para o tamanho do ambiente.


Radiação UV-B ou UV-C

A inativação efetiva do vírus SARS-CoV-2 é possível por irradiação com radiação UV-B ou UV-C. Esta medida é muito recomendada para superfícies, especialmente naquelas onde a limpeza manual pode ser complicada, tais como em dutos de ar. Inativação eficiente (> 90%) tem sido alcançada em aerossois com irradiação por períodos de menos de 1 h. No entanto, a radiação UV-C pode levar ao aumento da concentração de ozônio no ar, o que pode ser danoso aos ocupantes. Por este motivo, é recomendado restringir o seu uso para esterilização de superfícies de ambientes sem ocupantes apenas (https://www.mdpi.com/1660-4601/17/22/8553).


Estimativa de risco usando modelos de distribuição de partículas em ambientes fechados

Modelos de risco de contágio têm sido usados e permitem analisar o impacto de cada medida de prevenção adaptada a diferentes cenários de concentração, ventilação, número de pessoas infectadas (ou população com prevalência da doença), tempo de residência, etc. É importante notar que embora a física de modelos de dispersão de aerossois seja bem conhecida, há ainda muitos parâmetros relacionados à doença do COVID-19 que trazem algumas incertezas que limitam a precisão dos resultados modelados: a taxa de emissão de aerossois com vírus, carga viral em função do tamanho dos aerossois, curva dose-resposta, entre outros. No entanto, estes modelos podem ser bastante úteis em estimar os riscos relativos e guiar o desenvolvimento de protocolos de saúde.


Fontes adicionais:

O seguinte relatório (em Espanhol, desenvolvido por autores deste post e outros colegas) apresenta mais detalhes e referências sobre os tópicos: https://www.researchgate.net/publication/346572629_Transmision_de_SARS-CoV-2_por_via_aerea_inhalacion_de_aerosoles_Medidas_de_reduccion_de_exposicion

Perguntas e respostas sobre transmissão de COVID-19 por aerossois (em Inglês, com tradução automática para vários idiomas): https://tinyurl.com/FAQ-aerosols

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